Árvores do Alentejo
Horas mortas ... Curvada aos pés do monte
A planície é um brasido ... e, torturadas,
As árvores, sangrentas, revoltadas,
Gritam a Deus a bênção de uma fonte!
E quando, manhã alta, o sol posponte
A oiro a giesta, arder, pelas estradas,
Esfingicas, recortam desgrenhadas
Os trágicos perfis no horizonte!
Árvores! Corações, almas que choram,
Almas iguais à minha, almas que imploram
Em vão remédio para tanta mágoa!
Árvores! Não choreis! Olhai e vede:
...Também ando a gritar,morta de sede,
Pedindo a Deus a minha gota de água!
Florbela Espanca - in Charneca em Flor
Alma perdida
Toda esta noite o rouxinol chorou,
Gemeu, rezou, gritou perdidamente!
Alma de rouxinol, alma da gente,
Tu és, talvez, alguém que se finou!
Tu és, talvez, um sonho que passou,
Que se fundiu na Dor, suavemente...
Talvez sejas a alma, a alma doente
Dalguém que quis amar e nunca amou!
Toda a noite choraste... e eu chorei
Talvez porque, ao ouvir-te, adivinhei
Que ninguém é mais triste do que nós!
Contaste tanta coisa à noite calma,
Que eu pensei que tu eras a minh'alma
Que chorasse perdida em tua voz!...
Ser a moça mais linda do povoado,
Pisar, sempre contente, o mesmo trilho,
Ver descer sobre o ninho aconchegado
A bênção do Senhor em cada filho.
Um vestido de chita bem lavado,
Cheirando a alfazema e a tomilho…
Com o luar matar a sede ao gado,
Dar às pombas o sol num grão de milho…
Ser pura como a água da cisterna,
Ter confiança numa vida eterna
Quando descer à “terra da verdade”…
Meu Deus, dai-me esta calma, esta pobreza!
Dou por elas meu trono de Princesa,
E todos os meus Reinos de Ansiedade.
Florbela Espanca,
Charneca em Flor (1930)